Questão antiga e polêmica: A maconha deve ser legalizada? Ou legaliza logo todas as drogas? Ou até, quem sabe, o tráfico de drogas ser regulamentado?
Poderíamos viver em um mundo com um ramo de profissões adicionadas as escassas que já temos. Se é pra legalizar, vamos fazer direito!

Vitinho se muda para um bairro longínquo na zona leste da capital paulista. Bairro afastado, suburbano, frio e perigoso. Chega de mudança na terça feira e já na quarta alguém toca sua campainha. Eram cinco rapazes de meia idade, vestidos com roupasem tom pastel e ar de quem sabe mais do que o novato.
– Vítor?
– Sim, sou eu. Como sabe…
Vitinho foi interrompido por um gesto brusco da mão de um deles em direção a sua boca. O mesmo cara do gesto, continuou falando:
– Vejo que é novo por aqui. Seja bem vindo – Disse o rapaz com visual obscuro, completando:
– Começará amanhã, como aviãozinho. Cadê sua carteira de trabalho?
– Mas… – tenta reagir Vitinho, mas sem sucesso.
– Cadê? Traga a-go-ra – em tom grave, interrompendo Vitinho novamente.
Vitinho entra em casa e vai buscar a carteira de trabalho. O rapaz que parecia ser o chefe, faz um gesto e chama o possível responsável pelo RH.
– Coloque pra ele um salário de piso e data de admissão de hoje.
– Sim senhor! – Responde o funcionário do RH.
– Mas, estão me contratando? – Vitinho toma coragem e pergunta.
– Sim. Amanhã, em frente a praça da morte, às dezenove horas. Entrega importante.
E os cinco rapazes foram embora, deixando Vitinho com a pulga atrás da orelha. Se é que ainda se fala dessa forma.
No dia seguinte, ele acorda na hora do almoço. Ficara até tarde na internet procurando informações sobre aviãozinho e periferia. Precisava saber onde se metera.
Acabara de chegar no bairro e aquilo já acontecia com ele. Não se sentia confortável.
Queria se livrar do fardo criminal do novo emprego. Descobriu o necessário para fugir daquilo e se recusar a fazer. Mesmo de CLT assinada.
Mas pensou na família e na avó, internada, que precisava de remédios caros. Emprego estava difícil. Depois de muito relutar, resolveu aceitar.

Sete horas da noite, estava ele na praça, como combinado. Quando menos esperava, alguém bateu no seu ombro e disse:
– Toicinho dois, entrega para Louco de Pedra quatro. Avenida São João, centro. Em frente ao bar das onze. Nove cutucadas para a direita. Feito.
A pessoa deixou um pacote e sumiu sem falar mais nada, fazendo Vitinho ficar paralisado. Onde iria agora? Como faria?
Pegou sua moto e foi para a avenida mencionada. Encontrou um rapaz rolando no chão e falando coisas ao vento na frente de um bar. Não tinha dúvidas. Era ele. O Louco de Pedra quatro. Entregou a encomenda e voltou na sua moto, como um foguete. Foi para casa dormir.
No dia seguinte, logo quando acordou, encontrou um bilhete que fora deixado por de baixo da porta. Dizia:
“Belíssimo trabalho Toicinho dois! Você foi promovido. Venha ao meu escritório e traga sua carteira de trabalho.”
Vitinho, todo orgulhoso de si mesmo, foi para o local onde lhe informaram. Chegando lá, deu de cara com o mesmo rapaz que conversara no dia seguinte da mudança.
Percebera que era o chefe da máfia ou algo parecido. A conversa começou:
– Vitinho, meu querido Toicinho Dois. Que gratificante vê-lo por aqui. Sua entrega foi tão precisa e tão rápida que resolvemos te dar um presente. Imagine só, você será promovido com apenas uma dia de empresa!
– Jura? Muito obrigado senhor, mesmo – disse Vitinho, tentando entrar no jogo deles e falar sobriamente.
– Me dê a sua carteira de trabalho que colocaremos a mudança de função. Você agora será vice-chefe de boca-de-fumo. Entre as suas funções, você ajudará o chefe da boca a organizar todo o orçamento e a logística maconhal. Prepare para usar muito o excel!
– Estou preparado. Venho sonhando com isso há muito tempo.
– Leve também esse plano de carreira. Aqui você poderá ver onde poderá chegar. Foi um plano de carreira feito individualmente para você. Tens futuro meu jovem, tens futuro!

– Obrigado senhor – e saiu andando, todo-todo, triunfante pela porta.

Vitinho também baixou o aplicativo Tráfico Rápido em seu iPod e um mapa do Google Maps que continha as principais localizações dos traficantes famosos e influentes.
Ganhou da empresa o vale-maconha que lhe dava direito a um baseadinho por dia, e o bolsa-tortura que dava o direito de torturar um viciado por semana para obter
informações. A polícia fazia parte do bolsa-tortura, então era uma das poucas coisas liberadas por lei.
A empresa era grande. Atuava em toda a cidade de São Paulo e pagava muito bem aos funcionários. Tinha convênio com um banco estatal famoso e nunca atrasara um pagamento em toda a sua existência.

Vitinho começou a subir de cargo, virou dono de uma boca-de-fumo. Andava de terno Armani e óculos escuros. Parecia algum mafioso italiano. Sua bolsa-tortura aumentou para duas pessoas semanais, com direito a um chute na virilha, que foi liberado no decreto 171.
Mas vitinho ao ler o plano de carreira pela décima vez, ficou meio desacreditado.
Porque para subir para o próximo cargo, teria que fazer um estágio no PCC ou um ntercâmbio no Morro do Alemão, no Rio. Escolheu o segundo, porque gostava muito de praia e calor. O primeiro era meio perigoso. Se deu bem.
Voltou graduado. Tomou três tiros na perna, saiu do hospital e aprendera muita coisa sobre o tráfico e principalmente, sobre tiroteios. Os cariocas eram MBA’s em algumas coisas peculiares. Aprendeu todas as técnicas de arrastão, fugir de ocupação e de transformação de todas as balas em perdidas.
Não demorou muito e já foi promovido novamente. Virou Superintendente de Entorpecentes da região sul da capital. Começou a ganhar algumas regalias como
o direito de matar uma pessoa ao mês e ganhar comissão por viciado adicional que conquistar. A vida dele mudara. A família toda nadava em dinheiro. Vitinho agora era chamado de Vitone, il capo. Tudo estava perfeito.
Mas ele queria mais. O próximo passo na carreira era virar presidente da empresa.
Mas não era fácil conseguir tal façanha. No plano de carreira, constavam dois requisitos básicos:
Tinha que esperar o atual presidente declarar aposentadoria, e a partir daí, ser o laranja dele por cinco anos. Trocando em miúdos, o presidente atual iria fazer algo
totalmente fora-da-lei e seria virtualmente preso. Mas no lugar dele, iria o postulante ao cargo, pra ver se aguentava cinco anos na cadeia por alguma coisa que não fez. Coisa de macho. Coisa de homem feito, empresário bem sucedido, coisa pra Vitone. Ele fez.
Ficou os cinco anos na cadeia, saiu preparado para ter sua carteira de trabalho aposentada para virar presidente. O anterior já se aposentara, só faltava a nomeação de Vitone como o chefão do tráfico de São Paulo.
Chegou na empresa. Todos o estavam esperando. Dez conselheiros estavam ali de pé, com uma folha de maconha na mão, para fazer a cerimônia de nomeação. Vitone se ajoelhou e, antes que fosse nomeado, pediu para pararem. Não queria mais ser nomeado presidente, pensara melhor.
Um dos conselheiros tentou dissuadi-lo:
– Mas Il Capo Vitone, passaste por tudo isso e não vai querer agora o tão sonhado cargo máximo da instituição?
– É.
– Mas qual o motivo de súbita decisão?
– Essa profissão é muito certinha, sabe? Sou um marginal, um ser do sub-mundo. Não posso seguir em algo tão regulamentado. Vou fazer algo que contrarie o sistema, que seja totalmente anti-ético.

E saiu, triunfante pela porta, debaixo de olhares de admiração e confusão de todos os presentes.

Virou político.