Em uma noite fria de inverno paulistano, estava o escritor aqui andando calmamente pelas ruas da capital. Sentei-me ao ponto de onibus e comecei a observar os carros desfilarem pela avenida. Entre um Corsa e um Palio, uma voz me falava ao pé-do-ouvido:
– Olá, meu jovem! Posso me sentar?
Era um senhor de meia idade, aparentando seus quarenta anos, mas com olhos que presenciaram mais do que isso.
– Pode. – respondi, sem desviar os olhos da rua.
Passou-se dez minutos e o senhor ao meu lado comecou a puxar conversa. Justo na hora em que eu estava estranhando ele não ter pego nenhum ônibus que passara.
– Sabe quem eu sou?
– Não faco a mínima ideia. – respondi, quase levantando rumo a minha casa. Mas ele me deteve com as mãos. Sabia da minha intenção.
– Sou o Diabo. – disse ele, em voz satânica.
– Como?
– Eu mesmo. Satanás, Demônio, Belzebu, Coisa Ruim, Chifrudo, Nemesis de Deus e outros nomes que me dão por ai.
– O senhor quer realmente que eu acredite nisso? – bradei, educadamente. Mas já procurava um pedaco de madeira por perto.
– Queres uma prova? Faça um pedido, qualquer um. Farei acontecer, não importa o que for.
Naquela hora, cansado de andar e começando a ficar com sono, resolvi entrar na brincadeira.
– Sabe a Silvinha? A vizinha? Quero ela amanhã, de camisola, me chamando no portão de casa.
O senhor balancou a cabeca e disse:
– Amanhã a noite, nos encontramos aqui novamente.
E entrou no Itaquera – Cidade Tiradentes que passou logo após.
Dito e feito! Silvinha estava me chamando de manhã em trajes de dormir. Eu, atônito, mandei ela ir para casa dormir. Deveria ter aproveitado. Mas na hora o impacto do acontecimento me abalou fortemente.
Será que ele é conhecido dela? Mas é impossivel. Eu poderia pedir qualquer coisa. Não é verdade. Não pode ser! Eu conheci mesmo o Diabo?
Naquela noite, encontrei com o Sr.Demônio novamente. Não sabia como começar a conversa. Tentei fazer o sinal do nazismo. Ele disse que era contra. Fiz gestos feios com a mão e ele se ofendeu. Qual outra coisa malvada eu poderia fazer para agrada-lo? Ele pediu um abraco. Dei. Tá no inferno? Abraça.
– Então Bruno, já que sei seu nome desde ontem, o que vai querer hoje?
– Espera aí. Isso é algum tipo de venda de alma ou algo parecido? Minha alma não esta a venda. Ela pode ser meio sujinha, mas já entrou umas quatro vezes na igreja.
– Não, não – respondeu ele – leve esse nosso papo como uma amostra gratis. Se gostar, você compra.
– Isso é algum tipo de estrategia de marketing demoniaca?
Ele sorriu. Não tinha dentes, mas sua gengiva parecia feliz. Os vermes que saiam de sua boca estavam discutindo sobre alguma reforma agraria. Não prestei muita atenção.
– Bom, já que estamos aqui e tenho um pedido de graça, vou dizer o que quero.
– Pode mandar!
– Quero que a Silvinha não use mais camisola verde.
– Como?
– É o que o Sr.Belzebu ouviu. Não gostei daquela camisola. Verde não combina.
– Você está gastando o seu pedido de graça com isso? Não tem nada mais importante? – Ele gesticulou fortemente com os braços, enquanto dizia isso.
– Bom, já que você falou…
– Ufa! Achei que ia desperdiçar meus poderes com uma camisola!
– Quero um mouse novo. Tem uns jogos de computador que não tão rolando jogar. Sabe como é. Mouse velho e uma desgraça.
Ele pulou do banco do ponto. Olhou para o céu e levantou as mãos. Parecia que estava pedindo a ajuda de Deus.
– Meu jovem, você tem certeza que não quer nada mais importante? – suspirou.
– Talvez uma tv aberta de qualidade. Seria uma boa! Desejo que todos os programas de TV aberta sejam de conteúdo estimulante para a população.
– Vamos voltar para a camisola. Azul?
– Bom, não tenho certeza. Você pode ir mudando e me mostrando? Todo dia de manha a Silvinha na porta de casa com uma camisola de cor diferente. No dia que eu achar que tá legal, a sua senhoria demoníaca para de trocar.
– E eu não tenho mais nada pra fazer da vida?
– Sua vida é eterna! O corpo da Silvinha não.
– Jovem, você é louco! Desisto. Vou inverter seus pedidos só de birra. Sim, sou um Demônio birrento. A Silvinha vai usar camisola verde pro resto da vida. Seu mouse será de bolinha para sempre. Na Tv aberta só passará Big Brother e Mulheres Ricas. Viva com isso.
– Eu só tive boas intenções.
– Disso a minha casa está cheia.
Ele, visivelmente contrariado, se levanta e deixa seu cartão. Lembro que o numero do telefone continha muitos seis e o email era algo como [email protected]. Disse após isso, que caso eu fosse vender a alma, era só ir procurar por ele. Pediu também para indicar para os amigos. Se eu não divulgasse para dez pessoas, a Ana Maria Braga apareceria pelada no Big Brother dancando funk em parceria com alguma banda emo.
Essa crônica publicada já é suficiente para dez pessoas lerem. Passem adiante.
Senão…