O emprego antigo o exauriu. Publicitário, saiu e foi a procura de outras oportunidades pela internet. Achou. Marcou a entrevista. A mulher não concordou. Achou uma loucura.  Mas ele encarou como um novo começo.

Chegou o dia marcado. Ele levanta e vai até o banheiro. Escova os dentes. Não. Faz as necessidades. Agora sim escova os dentes. Vai para a cozinha.

– Como vai querer os ovos? – diz ela.

– Mexidos. Ou melhor, gema mole e clara durinha – diz ele.

Comeu. Foi escolher a roupa. Pensativo.

– Camisa social e calça jeans? Não, vou parecer um molecote de faculdade. Ou devo parecer assim, mais novo? Calça e sapato social, com uma gravata modesta. Podem achar que estou desesperado. Loção para barba. Pouca. Não, muita. Podem achar que cuido bem da aparência e assim posso cuidar melhor dos afazeres. Ainda estou de cueca!

– Querido, vai se atrasar! – brandava ela.

– Tenho os horários sob controle, meu anjo – respondia ele, continuando a se arrumar.

– Pouca loção. Levo na mala. Se resolver passar mais, finjo uma diarréia e vou ao banheiro.

Volto cheirando a lavanda do campo. Gel no cabelo pode parecer arrumadinho exagerado. Sem gel parecerei um mendigo. Aliás, faço a barba? Penso depois nisso. Voltando ao cabelo. Vou passar gel e deitar no sofá. Vai parecer um desarrumado natural. Elegante.

Ele deita no sofá e começa a rolar. Dez minutos depois sai com o cabelo como desejado. Ela come uma maçã na cozinha e assiste a tudo. Paciente.

– Fazer a barba ou não? Com barba pareço um velho de quarenta anos. Mas eu tenho quarenta. Se eu fizer a barba parecerei um garoto de trinta. Mas e a credibilidade? Faço a barba meio-a-meio? Não. Deixo assim. Qual calça? Nossa, como passei da barba pra calça tão rapidamente? Deve ser o excesso de televisão aos domingos. Camisa do Coringão? Shorts e chinelo? Posso parecer cult e desapegado da vida. Mas por que alguém desapegado da vida ia querer um emprego? Camisa e calça social. Decidido. Sapato bico fino? Não sei.

Ele subitamente para de falar com si mesmo e pergunta para ela:

– Amor, qual sapato?

– O preto de bico fino. O outro eu não limpei ainda.

– Graças a Deus. Uma escolha a menos. Afinal, sou bom em decições. É o maior motivo por ter me candidatado ao cargo de gerente. Vou conseguir. Sou inteligente, decidido, imponente. Onde coloquei o cinto? Desodorante é bom. Não posso ficar com as axilas molhadas por tensão. Mas pode misturar com o cheiro da loção. Acabei. Não, não acabei. Ainda falta escolher a pasta ou a mala que irei carregar alguns papéis. Sabe como é, credibilidade. Quero que pensem que tenho coisas importantes. Vou levar a certidão de nascimento da minha bizavó. Posso alegar que trabalho como historiador. Vou levar o livro de receitas da minha esposa. Plano B, nunca se sabe.

Ele respira e se prepara para sair de casa. Ela dá um beijo nele e deseja boa sorte. Ele abraça com força e diz que vão constituir uma linda família.

– Vou agora. Não vou. Posso passar vergonha. É um cargo muito importante. Mas preciso tentar. Senão nada vai mudar na minha vida. Terno? Não. Vou assim mesmo. Não, espera! Talvez eu possa adiar. A desculpa da dor de barriga ainda pode funcionar. Na verdade, já não é mais desculpa. Estou ansioso. Tenho que ir. Vou. Não vou. Vou jogar uma moedinha. Se der cara…

Ele foi. Ela ficou em casa, esperançosa. Mal comeu e não conseguiu nem ver televisão. Ele volta. Abre a porta.

– Não consegui o emprego. Falaram que minha loção tinha o cheiro muito forte. Fingi diarréia, fui para o banheiro e tentei tirar o cheiro com água da pia. Não adiantou. Voltei todo molhado e com cara de acabado. Charam uma ambulância.

– Que pena meu amor – ela diz, com aparente descontentamento.

– Isso que dá ser muito decidido. Na próxima, loção bem leve. Ou nada de loção. Talvez uma água de cheiro.