Nem tudo é o que parece, já diziam nossos avós, cheios de certeza de uma grande vida cheia de surpresas. Mas seguindo essa lógica e a estendendo aos seres humanos, podemos afirmar que ninguém é o que parece.

Todos temos os nossos papéis na sociedade. Alguns assumidos, outros inconscientes. Mas todos temos.

Uma pessoa pode ser outras mil, sem ao menos saber. Sem nem ter feito algum curso de teatro ou qualquer tipo de atuação. Você mesmo, que está lendo isso, pode ter certeza: Você não é um só.

O padeiro não te vê com os mesmos olhos que o gerente do banco, que por sua vez, não acha você um cara legal como seu vizinho Zeca. A interação com eles é diferente. Você muda, sem ao menos perceber. E não os pode culpar por enxergar você multifacetadamente. Se é que essa palavra existe.

Temos também as pessoas que fazem isso por que precisam ou acham que precisam. Algumas falam mais alto com o funcionário do correio e, no mesmo dia, fazem elogios ao cobrador de ônibus. Essa mesma pessoa age de formas distintas para atingir o seu objetivo e é enxergada por pessoas diferentes de formar diferentes.

Não importa o quanto você se ache sincero e espontâneo, sua vida nunca será um livro aberto. No máximo poderão ler o índice e acharão que te conhecem bem.

Mas onde quero chegar dizendo essas coisas que você já sabe – ou não, vai saber o que você sabe –  e não queria refletir?

Simples. Como eu já disse outrora, uma pessoa só é ela mesma na frente de uma arma ou perdidamente apaixonada. Na outra vez, abordei a parte romântica dessa minha afirmação. Desta vez, vamos a parte bélica da questão.

Vamos imaginar – lá vem o autor com outro exercício de imaginação – um mundo em que a pistola seria de uso obrigatório na sociedade. Ela seria usada para fazer a verdade aparecer. Para que o mundo escondido por trás das máscaras e mentiras fosse revelado. Uma função digna, essa da arma, diga-se de passagem.

Nada do que vemos hoje nas ruas, em casa e no trabalho, seria igual. Nada.

Por exemplo:

Um rapaz bem afeiçoado anda na calçada, quando vê uma moça extremamente linda do outro lado da rua. Mas ele percebe que ela está usando maquiagem pesada e muitos acessórios. Logo vai até ela, saca o revólver e diz:

– Vamos, tira essa maquiagem e tudo que está te mudando da forma original.

– Tudo bem, me perdoe – responde a mulher, já sabendo das leis do mundo paralelo, tirando a maquiagem.

– Tem mais! Enchimento?

– Sim, sim. Vou tirar, por favor, espere.

– Agora sim. Vejo que você é uma mulher deveras desprovida de beleza. Essa é a sua verdadeira face. Muito obrigado.

E esse seria um dos casos mais tranquilos. No trabalho a coisa seria quente:

– Bom dia Sr. Alves. Desculpa o atraso, trânsito infernal.

– Vamos Roberto, diga o motivo pelo qual realmente atrasou – Diz o chefe, tirando uma metralhadora de trás da mesa.

– Tudo bem. Dormi até mais tarde. Pode descontar do meu salário.

– Agora está melhor. Gosto de funcionários assim, sinceros.

– Gosta mesmo de mim e dos meus serviços? Não é o que ouço por aí – Roberto pergunta tirando sua arma do casaco.

– Na verdade, não gosto. Só estou esperando sua experiência acabar para te mandar embora. Você me enoja.

– Muito obrigado por falar a verdade Sr. Alves – Disse calmamente o funcionário, mirando a arma para o lado sem querer e acidentalmente apontando para uma amiga de escritório.

– Você é realmente feio e não estou usando calcinha hoje – diz a mulher, com medo da arma.

Mas nada superaria a presença da arma da verdade em nossas casas. Lar de muitas mentiras, para o bom relacionamento familiar.

– Oi amor! Viu a nova lei? Agora todos temos que carregar uma arma e… – foi interrompido pela mulher.

– Oi nada. Esperei a vida toda por esse momento. Agora fale, quantas vezes você me traiu? – Diz ela, com a arma em mãos.

– Ah amor. Umas quarenta e cinco vezes.

– Tem certeza? – Ela grita, quase puxando o gatilho.

–  Tu-tudo bem! Você venceu!  Setenta e nove. Se a faxineira do Tobias contar. É tão baixinha, não vale por uma.

Ela assentiu e baixou a arma.

– E a senhora? Me amava quando casou comigo? – Agora a arma saíra do casaco dele.

– Não. Amava o Ricardinho. Mas você tinha mais dinheiro.

– E agora, me ama?

– Não. Gosto do Tobias.

– Já me traiu com ele?

– Amor… – dizia ela calmamente, tentando dissuadi-lo – vamos parar?

Impiedosamente, ele atira contra a mulher. Mas teria que se explicar para a justiça, pois a lei das armas não permitia homicídios.

O mais difícil foi explicar para as crianças o ocorrido:

– Papai! Papai! Cadê a mamãe?

– Ela saiu com um amigo e foi morar em outro país. Mandou dizer que ama muito vocês.

– Tá bom Papai! Agora, a verdade.

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