Fico perplexo com algumas coisas no povo de nosso país. Como a paixão por futebol, o calor humano e alegria eclodindo a cada minuto, carnaval que para o país e afins. Mas o sentimento de “coitado” que temos desde muito tempo me deixa abismado. Vou explicar.
Vejo muitas pessoas por aí se orgulhando pelo fato de serem “guerreiras”. Guerreiras como? Porque acordam cinco da manhã para trabalhar, pegam ônibus lotado e destruído e ainda pagam por isso, trabalham por oito, nove horas e voltam para casa. Se dizem “batalhadoras” porque enfrentam filas em banco, hospitais e em todo lugar que vão.
Essas pessoas se orgulham dessa posição. Falando com orgulho que conseguem aturar tudo isso e ainda viver com seiscentos reais por mês. E acredite, muita gente tem realmente orgulho disso.
Não vou dizer que a pessoa está completamente errada. Como não está. Ela tem o direito de se sentir bem. Realmente não é fácil viver como ela vive e ainda ser feliz, viver em paz. Mas alguma coisa está errada. A inversão de valores é clara e o sentimento de “coitadinho” impera em muitos de nós.
Não podemos nos vangloriar de passar por isso e sim, fazer algo para que mude. Merecemos receber um real para cada ônibus lotado que pegarmos. Para cada coisa ruim por que passamos todos os dias.
É como seria a vida de Dona Luzia, moradora de uma cidade hipotética próxima a São Paulo, que todo dia levanta cedo para trabalhar. Sustenta cinco filhos com o seu salário de setecentos reais. Faz milagre!
A cidade hipotética é chamada de “Cidade Justa”. Hipotéticamente.
Nesta cidade, ninguém paga o que não deve e só recebe quem merece. Parece mentira, mas não é! A Cidade Justa existe. Ao menos aqui nesse texto.
Dona Luzia acorda, se arruma e vai para o ponto de ônibus. Quando passa alguém perto dela e lhe dá dois reais. É um diretor de empresa. Ele vive nas ruas dando dinheiro para quem precisa. Sobra sempre do seu salário. Ele tem tempo livre. De vez em quando aparece o prefeito, mas esse só dá dinheiro três vezes por semana.
Ao passar o ônibus da nossa trabalhadora, ele tenta subir, mas não consegue. Está lotadíssimo. O motorista tenta ajudar, mas não consegue colocar Dona Luíza para dentro. Ele desiste e paga dez reaiz para ela. O ônibus some no horizonte.
O próxima ônibus passa abarrotado de pessoas também. Mas nesse há um lugar para Dona Luíza entrar. Apertada, consegue ficar em pé ao lado do motorista. São duas horas de viagem até o destino. As pernas que já estão ficando cansadas de Dona Luíza não aguentam mais.
Chegando perto do ponto, ela passa na catraca e recebe vinte reais do cobrador. Dois reais para cada doze minutos em pé. É a lei na Cidade Justa. Todos os outros também receberam seus valores. Os que estavam sentados não ganharam nada, mas puderam ter seu direito de ir e vir em uma metrópole garantido.
Nossa protagonista chega ao trabalho dez minutos atrasada e encontra seu chefe:
– Luzia! Bem vinda ao trabalho. Bonita terça feira, não?
– Sim Sr Roberto! Bom dia!
– Você está atrasada. Aconteceu alguma coisa?
– Não consegui entrar no primeiro ônibus e tive que pegar o segundo.
– Recebeu o dinheiro de ambos normalmente?
– Sim. Graças a Deus vivemos na Cidade Justa. Não sei o que seria de mim em outro lugar.
– Correto. Imagina só? Pagar para passar por isso? Dizem que naquela cidade subdesenvolvida, chamada São Paulo, pagam por seus ônibus lotados. Já imaginou?
– Deus me livre Seu Roberto. Deixa eu começar a trabalhar que já me deu uns arrepios.
– Ah, última coisa. Hoje todos sairão mais cedo para talvez, pegarem ônibus vazio! Bom trabalho.
E Dona Luzia seguiu seu trabalho normalmente, até as cinco da tarde, quando saiu. Os ônibus estavam cheios da mesma forma. Viver em uma metrópole era difícil. Mas não havia outra escolha. Chegou em casa, cansada e muito faminta.
– Mãe, mãe – dizia a filha mais nova.
– Deixa a mãe chegar. O que você quer? Tô muito cansada e estressada, amor.
– É assim tão ruim o trabalho?
– Não filhota. Lá é um excelente lugar. Adoro meu chefe.
– O que te cansa desse jeito então?
– A ida e a volta. Um dia você vai entender!
– Mas os ônibus são tão ruins mamãe?
– Sim minha filha. São de graça e não tem muito inevstimento. E eles pagam as pessoas pelo transtorno e superlotação.
– Mas naquela cidade chamada São Paulo as pessoas não pagam três reais pra andar de ônibus?
– Sim meu anjo.
– E lá eles são bons e vazios?
– Não. São a mesma coisa. Até pior.
– Então…
– Pois é.
Crônica feita em homenagem aos protestos brasileiros em junho de 2013. Milhares de pessoas pararam de se orgulhar de sofrer e foram batalhar para mudar. Até agora, conseguiram a diminuição da tarifa de ônibus na capital. Mais manifestações virão para outras melhorias e poderemos dizer que é um marco na história do país.
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