Eu podia ter tido um futuro na vida. Podia mesmo. Acho até que eu tinha potencial para isso; mas aí, eu resolvi cursar Letras e ser professora.
Passei quase 10 anos em sala de aula, planejando atividade, corrigindo provas e sem vida social. Sim, porque eu desconheço professor (de escola básica) que não seja outra coisa além de ser professor de escola básica em tempo integral.
Para a minha sorte, nesse meio tempo, a vida sorriu pra mim e a oportunidade de trabalhar em uma agência de publicidade apareceu. Eu topei. Na hora. E aí, minha vida mudou radicalmente.
Enganam-se, vocês (assim como eu me enganei), que acham que a redação publicitária está intrinsicamente atrelada à Língua Portuguesa (LP). A redação publicitária é livre. Tem quase que vontade própria. Ela permite aquele “pra” que a Língua Portuguesa odeia. Ela também é apaixonada por aquele “né” que o português só reconhece por “não é?”.
Eu sofri. Ainda sou uma descendente do português formal, da pontuação rígida. Mas, se me perdoam o trocadilho com o pagode dos anos 2000, a paixão me pegou, tentei escapar, não consegui: a redação publicitária me encantou. Na prática, aprendi (e estou aprendendo) que é possível escrever certo sem ser formal (demais).
A licença poética (de direito) da redação publicitária permite que slogans, frases de apoio e textos produzam os efeitos desejados em cada peça. E isso, minha querida e excelentíssima, Língua Portuguesa, você não faz com tamanha excelência.
É saber que talvez, naquela campanha, para aquele cliente e especificamente naquela situação, aquela falta de acento foi o “tchan”. É entender que o inaceitável na Língua Portuguesa, é imprescindível na redação publicitária.
O mais atual e pertinente exemplo é o “Marco Véio”, vídeo com milhões de visualizações em diversos sites. O narrador diz “taca-lhe pau nesse carinho, Marcos”: a frase viralizou e ganhou adaptações, inclusive para a chamada do GP do Brasil deste ano, no qual usa-se “tacale” ao invés de “taca-lhe”. Nós, usuários da grande rede, além de escrevermos, também nos deparamos com outras variações como “tacali” (sem contar com o uso indiscriminado de hashtags, que #enchem #o #saco #da #gente).
Mas, atenção: é preciso lembrar que a liberdade da redação publicitária tem limites e, portanto, não significa que o texto publicitário é a “casa da mãe Joana”. Salvo casos especiais, não há razão que justifique aquela crase antes do pronome você. De jeito nenhum!
Encontrar a linha tênue para se trabalhar com a Língua Portuguesa e a redação publicitária, trabalhando o encantamento e a liberdade desta última, sendo complementados pela riqueza de vocabulário daquela primeira é a mágica. É o ponto. E engana-se (mais uma vez) quem acredita que se fez isso uma vez, o fará sempre. É uma tarefa constante, um exercício diário de não abandonar a rigidez da LP pela liberdade da redação publicitária. É combinar, como disseram os Mamonas Assassinas: “eu feijão, você arroz, temperados com Sazon”.
Este artigo foi publicado originalmente em 25 de setembro de 2014.
Michele
Redatora publicitária, gerente de pauta e leitora assiduamente assídua. Graduada em Letras, mas amante e aprendiz da Publicidade e, principalmente, de Marketing de Conteúdo. Entre em contato no Facebook.
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6 Comments
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A linguagem é algo realmente fantástico… os inúmeros recursos da nossa língua nos permite brincar com os sons, produzir efeitos estilísticos, etc. Foi muito bom visitar seu blog! Amei!
Obrigado pelo comentário Betânia!
olá Michele foi muito difícil se adequar as normas em que a redação publicitária estabelece? Ou você fez algum curso que atribuísse isso?
Eu estou me formando em Letras, mas também tenho uma certa paixão em publicidade.
Olá, Iandara, tudo bem? É uma transição, porque, a minha formação, por exemplo, era licenciatura, então, passei do ambiente acadêmico para o ambiente da publicidade. Tive que abandonar algumas práticas, mas, em compensação, aprendi outras. Ao longo do tempo, fiz cursos sim para me aperfeiçoar. Se você gosta dessa parte, você sempre vai estar estudando. A publicidade, o marketing, nunca param!
Oi, Michele.
O seu depoimento é realmente encantador e coube como uma luva para o momento pelo qual estou passando. Me formo em Letras (licenciatura) no ano que vem, mas no meio do caminho descobri uma paixão pela publicidade. Estou em uma crise de identidade terrível, graças a essa dúvida provocada pela profissão dos slogans. Queria saber se é muito difícil as agencias publicitárias terem este interesse nos profissionais de letras ou se chega a rolar até mesmo alguma espécie de “preconceito” dos colegas.
Tenho muito interesse em seguir nesta área, mas não queria me jogar de cabeça em uma nova faculdade.
Abraços, querida!
Sucesso
Oi Miguel! Você pode entrar em contato com a Michele pelo Facebook dela ou e-mail [email protected], acredito que é mais fácil ela responder pelo e-mail e obrigado pelo comentário!